Negros São Lindos
Podemos dizer que felicidade por um fio é um belo filme. Negros São Lindos
Um filme que traz à tona muitos questionamentos e ao mesmo tempo é de uma sensibilidade tamanha.
Eu falo aqui enquanto homem negro e essa é minha visão sobre o filme e a forma como interpretei, então fique a vontade para dar opiniões e me dizer o que achou sobre o filme.
Para falar tudo o que eu quero falar terei que dar alguns spoilers, mas não vão atrapalhar, pois terão que assistir o filme inteiro para entender. Negros São Lindos
O filme fala sobre muitas coisas, através da vida da personagem Violet Jones, além da transição capilar.
Fala sobre autoestima, amor próprio, personalidade, aceitação, identidade, reconhecimento, representatividade e empoderamento.
Entendi que a proposta do filme foi falar sobre o que passam diversas mulheres negras ao longo de sua formação enquanto mulher e negra.
Negros São Lindos Sabemos o tabu que ainda é ter o cabelo crespo, assumir os cachos e vemos o tanto que a mídia tem corrido atrás para contemplar todas essas mulheres.
Assistindo o filme em diversas partes me lembrei da música da Beyoncé “Pretty Hurts” (Beleza machuca) que traz uma crítica sobre o padrão da beleza e a busca pela perfeição.
E o quanto buscar um padrão de perfeição causa sofrimento psíquico.
A personagem em diversos momentos mostra como não está feliz, não se sente inteira. Negros São Lindos
Como buscar a perfeição sem que haja sofrimento?
Impossível.
A personagem vive sua vida cercada de padrões, padrões impostos pela sua mãe (o que é uma questão trans-geracional que é passada de mãe para filha, que o cabelo bonito é o cabelo liso).
Padrões sociais, padrões impostos pela mídia e ela não consegue se encontrar, não consegue saber quem é ela mesma, sua identidade é definida pelos outros.
E aqui trago Lacan para falar que eu sou o outro, eu me constituo enquanto sujeito através do olhar do outro.
Percebemos que toda essa construção começa na infância quando sua mãe alisava seu cabelo com o pente quente e dizia que ela ficava mais bonita daquele jeito, ou seja, que ter o cabelo liso era sinônimo de ser bela e ela cresce com essa crença limitante e toda sua personalidade é construída em cima disso.
Na cena em que a mãe não a deixa entrar na piscina para não molhar seu cabelo e mesmo assim ela pula e as crianças tiram sarro dela, mostra o que diversas meninas negras passam diariamente nas escolas, sofrendo bullying pela forma de seu cabelo e pela cor de sua pele ou por ser filha da empregada ou da faxineira.
Negros São Lindos Violet fala o quanto sua vida poderia ter sido diferente se naquele momento sua mãe tivesse dito: você é linda, seu cabelo é lindo do jeito que é.
É preciso afirmar para as crianças negras o quanto elas são lindas do jeito que são, com seus traços negros e com seus cabelos crespos, pois a construção da autoestima começa na infância.
E penso no papel da mídia e o quanto a mesma tem influência sobre os corpos.
Hoje já temos diversas linhas para cabelos cacheados e um marketing preocupado em passar a mensagem de “assuma seus cachos”, mas como é esse processo de assumir os cachos?
Como é perverso tudo o que a mulher precisa passar para se sentir bem com ela mesma e isso mostra o racismo que perpassa toda essa questão de impor que só o liso é bonito, que cabelo bom é cabelo liso e cabelo ruim é o crespo. Negros São Lindos
Como a sociedade foi se moldando e chegou a isso que vemos hoje.
No começo mostra a personagem sempre tentando ser perfeita, vestida impecavelmente, maquiada, cabelo alisado, tanto que a mesma acordava antes do marido para se produzir e se mostrar para ele assim, perfeita.
Mas então faço o questionamento, até que ponto é viável essa perfeição.
A perfeição ou a busca pela perfeição não seria uma prisão?
Será que somos livres enquanto vivemos em busca de algo ou alguém que não somos?
Sartre dizia que estamos condenados a ser livres, seria esse o tipo de condenação?
Viver em busca da perfeição para se sentir livre?
Negros São Lindos O cabelo define e diz muito sobre a personalidade.
O cabelo reflete aquilo que somos por dentro, nosso interior, nossa identidade, nossa personalidade, faz parte da nossa imagem pessoal.
E todo esse processo de reconhecimento enquanto mulher negra, enquanto sujeito negro, o quanto isso mexe conosco, com nossas estruturas internas.
É lindo quando a personagem começa a se aceitar do jeito que é, natural, mostra que o crespo também é lindo.
É fundamental a representatividade que esse filme tem, primeiro por ter a maioria de atrizes negras e pela mensagem que ele traz, imagino o tanto de meninas negras que irão assistir e se ver, se reconhecer.
E a cena da piscina? Negros São Lindos
Que sensação de liberdade gostosa, de ser quem é, de se assumir e não ter medo dos padrões.
É quebrar padrões e normas sociais que vêm sendo impostas desde muito tempo atrás e vêm se perpetuando, mas chegou à hora de dar um basta.
Chegou a hora de nós população negra ter voz.
Negros São Lindos Não nos calamos mais. Somos maioria nesse país e precisam ouvir o que temos a dizer.
Todo o processo que a personagem passa de desconstrução e reconstrução remete ao que passamos todos os dias, nos transformando a cada momento e nos tornando diferentes do que éramos a momentos atrás.
Essa é a beleza da vida, poder ser vários em um só, poder se transformar e nunca ser igual ao que era, mas estar sempre se renovando.
Pude ver muitas coisas no filme e essas foram algumas delas.
Agora quero saber de vocês.
Qual o olhar de vocês sobre o filme? Negros São Lindos
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Gabriel Basilio é negro, tem 21 anos, é morador da periferia do Grajaú em São Paulo, estudante de psicologia na FMU/SP sendo bolsista pelo ProUni. Estuda as relações raciais e como o racismo afeta a população negra. Está desenvolvendo uma iniciação científica sobre Os efeitos psicossociais do racismo no sujeito negro. É administrador da página A Psicologia Contra o Racismo. Participa das reuniões abertas do núcleo de psicologia e relações étnicorraciais do CRP-SP. Foi palestrante no Seminário Estadual de Psicologia e Violências Estruturais: 130 anos de abolição. E também foi representante dos estudantes do sudeste no encontro nacional em Brasília sobre a revisão das diretrizes do curso de psicologia. Gabriel acredita que para eliminar o racismo é preciso falar e debater sobre ele e que só através do conhecimento e da informação é possível superar esse problema atual e social.
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