Por José Raul A. de Menezes
O hospital é o lugar onde o corpo dói, o corpo que é visto pela medicina, sendo objeto de estudo e cura. O sujeito é reduzido a sua patologia, que se apresenta em partes do organismo, e o subjetivo não são evidenciados. Podendo assim, tornar-se mais fácil ou pragmático as curas do corpo orgânico pelo saber médico que exclui a subjetividade.
A psicanálise, segundo Moura (2000), encontrou um lugar na cultura científica por se ocupar do que a ciência exclui. Assim, pode-se pensar, então, que a psicanálise e a ciência se apoiam mutuamente sobre o saber do corpo, demarcando um lugar. A psicanálise não oferece um discurso curativo e nem pretende confortar o sujeito sobre o seu adoecimento e sim, faz com que emerja um sujeito implicado em suas próprias questões.
Ao passo que, para a medicina, o objetivo é a exclusão dos sintomas ou a cura do corpo enquanto objeto. Para a psicanálise, que não trabalha na perspectiva de cura, é fazer com que diante do adoecimento como foco, possa aparecer um sujeito através do discurso acionado pela oferta da escuta.
É com a presença da psicanálise no hospital que se permite o olhar sobre o corpo adoecido, de forma subjetiva. Portanto, o corpo evidenciado no contexto hospitalar ou no processo de adoecimento, não é apenas o orgânico. Sendo assim, a psicanálise não pensa o corpo a partir de uma sobreposição do orgânico sob o subjetivo ou vice versa, e sim de uma forma complementar, sendo um fundamental para a formação do outro.
No hospital, pacientes apresentam-se com o fenômeno aparente, concretizado por exames e diagnósticos, e que pode ou não fazer parte de sua realidade psíquica. O adoecimento é motivo de angústia, pois traz consigo estigmas e fantasias que muitas vezes não se fazem presentes no consultório médico. A presença da psicanálise nesse contexto oferta a escuta do inominável, possibilitando dar borda, o que permite dar sentido através do discurso, a conteúdos simbólicos que o rompimento do Real pode causar com o adoecimento.
A abertura para a escuta do inominável propiciada pelo praticante da psicanálise oferece a pacientes à possibilidade de poder existir para além do corpo físico (orgânico), já que o corpo da psicanálise preconiza o sujeito do inconsciente (Moreira & Pamplona, 2006). Com isso, não se escuta sobre a doença ou apenas sobre o adoecimento, sendo ela a maneira com a qual o sujeito se apresenta. Escuta-se a singularidade subjetiva que fica em evidencia pela linguagem que constitui o inconsciente.
No adoecimento e no hospital, o sujeito se depara com sua falta existencial acionada pelas perdas, seja perda da condição de saudável, de um membro familiar ou de parte do seu próprio corpo. É um contexto de rupturas que fazem o sujeito rememorarem situações passadas que muitas vezes apresentam-se como traumas, (Moura, 2003).
Interrogações surgem ao se deparar com a fragilidade do seu próprio corpo. É nesse momento que surgem perguntas, são perguntas dirigidas ao Outro como forma de pedido de socorro. Dessa forma, podemos pensar o processo de adoecimento e hospitalização como situação onde o sujeito se confronta com o seu desamparo existencial diante a sua prematuridade biológica e psíquica.
Em condição diferente, podemos pensar como hipótese o desamparo no hospital considerando a prevalência do discurso médico. A doença é facilmente compreendida pela forma pragmática da ciência ao explicar as causas e efeitos do adoecimento orgânico. Clavreul (1983) diz que, o discurso médico é representante do discurso da ciência, discurso que prima pela exclusão da subjetividade daquele que o pronuncia como de quem o escuta, dai a eficiência e objetividade exigida da ciência vem pela eliminação de sua subjetividade.
No cenário discutido ao longo do texto o sujeito depara-se em uma situação de total passividade e impotência, pois, assim como na infância, ele não possui dos seus próprios recursos para mudar sua atual condição de vida. Nesse momento o sujeito encontra-se a mercê do saber médico que tentará atender as suas necessidades biológicas (Machado & Fonseca, s/ano).
Durante os atendimentos no hospital é habitual perguntar aos pacientes o motivo da internação, se eles sabem dos procedimentos a serem realizados. Percebe-se nas respostas a falta de apropriação do seu corpo, geralmente muitos dizem que não sabem ou estão aguardando a visita médica para obter algum tipo de informação.
Essa situação possivelmente os leva a vivenciar a angústia, acionando no sujeito sua impotência diante da equipe que irá buscar respostas sobre sua doença, colocando o sujeito mais uma vez a vivenciar a situação onde o Outro diz sobre ele.
No hospital qualquer nomeação ou conduta irá depender do discurso médico, é comum escutar: “o que eu tenho?” “quando vou ter alta?” “não sei o que tenho”. Nesse momento a posição subjetiva do sujeito é uma posição de dependência, de assujeitamento ao Outro, sendo esse representado pelo discurso médico. Novamente o sujeito não detém o poder sobre suas próprias necessidades, situação semelhante da sua prematuridade enquanto recém-nascido.
O sujeito, ao longo de sua vida, irá passar por experiências que terão como modelo a situação originaria de desamparo (Rocha, 1999. pp.336). No hospital, escutei de muitos pacientes a palavra solidão, trazendo-me uma inquietação por não conseguir compreender como pessoas que estavam com seus familiares, amigos e equipe ao seu redor, buscando proporcionar um bem estar ao longo da hospitalização falava da solidão.
Portanto, fui percebendo que ao falar dessa solidão, o choro, demonstrava algo que lhes doía, lhes causavam um desconforto, uma aparente angústia, ao mesmo tempo em que falavam sobre a morte. Rocha (2000, pp. 130) diz que, “das situações traumatizantes, como dissemos, a situação por excelência é a do desamparo do recém-nascido, que pode ser vitima de uma situação traumatizante, o adulto também o pode, e, quando isto acontece, ele se sente tão desamparado como a criança”.
Portanto, a presença de amigos e familiares de fato é importante no processo do adoecimento, é incalculável a funcionalidade dessa presença. Mesmo quando o sujeito esta acompanhado por membros familiares, amigos e assistido pela equipe e aparato clinico, o sujeito sempre irá passar por está experiência de modo frágil e solitário.
Logo, a condição de doente, sempre irá colocar o sujeito em situação de desamparo, pois, o sujeito, nunca terá recurso psíquico o suficiente para lidar com a castração re-editada no contexto hospitalar (Machado & Fonseca, s/ano). Tendo em vista essas observações, é possível notar que a doença é um processo de rememoração do desamparo, ou seja, uma maneira de elaborar pela via da repetição o que é impossível de se ter acesso, o seu trauma primordial e constituinte.
Sobre o Autor
José Raul Andrade de Menezes: Psicólogo clínico na cidade de Salvador/BA. Atendimento direcionado a adultos e adolescentes. Atuação na área de Psicologia Hospitalar. Habilidades desenvolvidas no trato de Pacientes oncológicos com foco na psicanálise aplicada no contexto hospitalar. Auxílio a pacientes e familiares na vivência circunstancial do adoecer. Competências desenvolvidas para apresentação de mini-cursos e palestras.
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REFERÊNCIAS
CLAVREUL, J. (1983). A Ordem Médica. São Paulo: Brasiliense.
MACHADO, Vanessa Cristina Soares; FONSECA, Luiza Angélica. Manifestações psíquicas no adoecimento: a experiência de desamparo. Revista de Psicologia, s/ano.
MOREIRA, A. C. G., & PAMPLONA, C. R. A. (2006). Dispositivos Clínicos em Hospital Geral (pp.13-24). Psicol. clin., 18.
MOURA, Marisa Decat. Psicanálise e Urgência Subjetiva: Psicanálise e Hospital. 2.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
MOURA, Marisa Decat. Psicanálise e Hospital-3. TEMPO E MORTE: da urgência ao ato analítico. Rio de Janeiro: Reiventer, 2003.
ROCHA, Zeferino. Desamparo e metapsicologia – para situar o conceito de desamparo no contexto da metapsicologia freudiana. Belo Horizonte: Síntese-Revista de Filosofia, v. 26, n. 86, p. 331-346, 1999.
______. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta,
P. 71-162.